O MACULELÊ:


Santo Amaro da Purificação, no
Recôncavo Baiano, cidade
marcada pelo verde dos canaviais,
é terra rica em manifestações da
cultura popular de herança
africana. Berço da capoeira baiana,
foi também o palco de surgimento
do Maculelê, dança de forte
expressão dramática, destinada a
participantes do sexo masculino,
que dançam em grupo, batendo as
grimas (bastões) ao ritmo dos
atabaques e ao som de cânticos
em dialetos africanos ou em
linguagem popular. Era o ponto
alto dos folguedos populares, nas
celebrações profanas locais,
comemorativas do dia de Nossa
Senhora da Purificação (2 de
fevereiro), a santa padroeira da
cidade. Dentre todos os folguedos
de Santo Amaro, o Maculelê era o
mais contagiante, pelo ritmo
vibrante e riqueza de cores.
Apresentação do Grupo de
espetáculos da Cordão de Ouro -
anos 80.
Sua origem, porém, como aliás
ocorre em relação a todas as
manifestações folclóricas de
matriz africana, é obscura e
desconhecida. Acredita-se que
seja um ato popular de origem
africana que teria florescido no
século XVIII nos canaviais de
Santo Amaro, e que passara a
integrar as comemorações locais.
Há quem sustente, no entanto,
que o Maculelê tem também
raízes indígenas, sendo então de
origem afro-indígena.
Conta a lenda que a encenação do
Maculelê baseia-se em um
episódio épico ocorrido numa
aldeia primitiva do reino de
Iorubá, em que, certa vez, saíram
todos juntos os guerreiros para
caçar, permanecendo na aldeia
apenas uns poucos homens, na
maioria idosos, junto das mulheres
e crianças. Disso aproveitou-se
uma tribo inimiga para atacar,
com maior número de guerreiros.
Os homens remanescentes da
aldeia, liderados pelo guerreiro de
nome Maculelê, teriam então se
armado de curtos bastões de pau
e enfrentado os invasores,
demonstrando tanta coragem que
conseguiram pô-los em
debandada. Quando retornaram os
outros guerreiros, tomaram
conhecimento do ocorrido e
promoveram grande festa, na qual
Maculelê e seus companheiros
demonstraram a forma pela qual
combateram os invasores. O
episódio passou então a ser
comemorado freqüentemente
pelos membros da tribo,
enriquecido com música
característica e movimentos
corporais peculiares. A dança seria
assim uma homenagem à
coragem daqueles bravos
guerreiros.
No início deste século (o XX),
com a morte dos grandes mestres
do Maculelê de Santo Amaro da
Purificação, o folguedo deixou de
constar, por muitos anos, das
festas da padroeira. Até que, em
1943, apareceu um novo mestre
– Paulino Aluísio de Andrade,
conhecido como Popó do
Maculelê, considerado por muitos
como o “pai do Maculelê no
Brasil”. Mestre Popó reuniu
parentes e amigos, a quem
ensinou a dança, baseando-se em
suas lembranças, pretendendo
incluí-la novamente nas festas
religiosas locais. Formou um
grupo, o “Conjunto de Maculelê
de Santo Amaro”, que ficou muito
conhecido.
É nos estudos desenvolvidos por
Manoel Querino (1851-1923)
que se encontram indicações de
que o Maculelê seria um
fragmento do Cucumbi, dança
dramática em que os negros
batiam roletes de madeira,
acompanhados por cantos. Luís da
Câmara Cascudo, em seu
“Dicionário do Folclore
Brasileiro”, aponta a semelhança
do Maculelê com os Congos e
Moçambiques. Deve-se citar
também o livro de Emília
Biancardi, “Olelê Maculelê”, um
dos mais completos estudos sobre
o assunto.
Hoje em dia, o Maculelê se
encontra integrado na relação de
atividades folclóricas brasileiras e
é freqüentemente apresentado
nas exibições de grupos de
capoeira, grupos folclóricos,
colégios e universidades. Contudo,
convém registrar as observações
feitas por Augusto José Fascio
Lopes, o mestre Baiano Anzol, ex-
aluno do mestre Bimba e
professor de Capoeira na
Universidade federal do Rio de
Janeiro: “...neste trabalho de
disseminação, o Maculelê vem
sofrendo profundas alterações em
sua coreografia e indumentária,
cujo resultado reverte em uma
descaracterização. Exemplo: o que
era originalmente apresentado
como uma dança coreografada em
círculo, com uma dupla de
figurantes movimentando-se no
seu interior sob o comando do
mestre do Maculelê, foi
substituído por uma entrada em
fila indiana com as duplas
dançando isoladamente e não
tendo mais o comando do mestre.
O gingado quebrado, voltado para
o frevo, foi substituído por uma
ginga dura, de pouco molejo.
“Mais recentemente, faz-se a
apresentação sem a entrada em
fila. Cada figurante posta-se
isoladamente, sem compor os
pares, e realiza movimentos em
separado, mais nos moldes de
uma aula comum de ginástica do
que de uma apresentação
folclórica requintada.
“Deve-se reconhecer que não só
o Maculelê mas todas as demais
manifestações populares vivas
ficam sempre muito expostas a
modificações ao longo do tempo e
com o passar dos anos. (...)
Entendo que todas essas
modificações devam ficar
registradas, para permitir que os
pesquisadores, no futuro, possam
estudar as transformações sofridas
e também para orientar melhor
aqueles que vierem a praticar
esse folguedo popular de extrema
riqueza plástica, rítmica e musical
que é o Maculelê.”