GRUPO DE ESTUDOS DA CAPOEIRA- GECA




Carta de Campinas - I Seminário

Nacional de Estudos sobre a

Capoeira

"Manifesto pela Capoeira neste

início do século XXI"

Esta carta tem o objetivo de

apresentar uma síntese das

discussões realizadas e as decisões

democraticamente tomadas a

partir do I Seminário Nacional de

Estudos sobre a Capoeira -

SENECA, que tratou do tema

"Capoeira: diálogos entre seus

diferentes saberes", realizado nos

dias 7, 8 e 9 de maio de 2004, na

cidade de Campinas/SP. O evento

foi planejado e organizado, ao

longo de 8 meses, por um

coletivo composto por pessoas

envolvidas de diversas formas

com a capoeira, em todo o Brasil

contando, também, com sugestões

de capoeiristas que vivem no

exterior. O SENECA congregou

por volta de 300 (trezentos)

participantes, provenientes de 64

(sessenta e quatro) grupos de

capoeira diferentes e que vieram

de 32 (trinta e duas) cidades, de

todo o Brasil, contando também

com participantes de Sidney

(Austrália), Nova Iorque (EUA) e

Bristol (Inglaterra).

Com o intuito de preservar o

diálogo no universo capoerístico e

respeitar as diversidades na

manifestação da

capoeira, as discussões travadas

por ocasião das mesas de debates

e Grupos de Trabalho Temático

(GTT), problematizaram

determinadas questões que dizem

respeito ao cotidiano dos

capoeiristas, em busca de

subsídios que possam contribuir

para

qualificar suas ações nos mais

diferentes setores da sociedade

organizada, sem ferir a livre

expressão dos presentes e

respeitando as tradições da

capoeira.

Os GTTs constitutivos do I

SENECA foram "Capoeira e

Educação", "Capoeira, corpo,

cultura e memória", "Capoeira e

políticas públicas" e "Capoeira e

esporte". Na plenária final, cada

relator apresentou o que foi

discutido, deixando em aberto

para os participantes a

possibilidade de solicitar

esclarecimentos em torno do que

foi exposto e sugerir alterações.

Após

esta metodologia ter sido aplicada

a todos os relatos apresentados,

chegou-se às seguintes

deliberações:

1. A capoeira tem que estar

presente na escola como

atividade curricular

complementar abarcando uma

perspectiva de

pesquisa, produção do

conhecimento e valorização do

saber popular, por ser um

elemento importante da

identidade brasileira

fazendo parte da história de

formação do povo brasileiro e

assim se constituir um patrimônio

da cultura nacional. Seu processo

de ensino/aprendizagem deve ser

fundamentado com base na

inclusão social e liberdade de

expressão. Para isto, é necessário

que a inserção da capoeira se dê

para além dos momentos festivos

ou de eventos esporádicos.

Neste sentido se propõe a

efetiva inclusão da capoeira na

escola através de atividades

curriculares complementares,

ministrada por um docente de

capoeira (capoeirista) sendo seu

trabalho supervisionado pelo

serviço público de ensino.

Propõe-se também, a inclusão da

capoeira no conteúdo curricular

de Educação Física, bem como o

incentivo à interdisciplinaridade/

transdisciplinaridade da

capoeira com outras disciplinas

que compõe o currículo escolar

cumprindo assim o que diz a

Constituição de 1988, no

artigo 215:

"... garantir à todos o pleno

exercício dos direitos culturais e

acesso às fontes da cultura

nacional, e apoiará e incentivará

a valorização e a difusão das

manifestações culturais.

Parágrafo 1: O Estado protegerá

as manifestações das culturas

populares, indígenas e afro-

brasileiras, e das de outros

grupos participantes do processo

civilizatório nacional".

Além disso, o Presidente Luis

Inácio Lula da Silva, sancionou no

dia 9 de janeiro de 2003, a lei nº

10.639 que estabelece

a obrigatoriedade do ensino da

história e da cultura afro-

brasileira nos currículos das

escolas públicas e particulares do

ensino fundamental e médio.

Entendemos também que para

além do aspecto legal é preciso

ações e políticas públicas que

incentivem não só a capoeira

como saber importante na

formação dos educandos, mas

também a formação e qualificação

continuada do profissional que irá

desenvolver essa função na

escola. E que a partir do

momento que a capoeira estiver

inserida na escola ela deve se

juntar ao projeto político

pedagógico da mesma, atendendo

as demandas da comunidade

escolar e não as de determinados

grupos específicos de capoeira.

2. Deve-se exigir do Estado a

formulação de Políticas Públicas

que atendam aos interesses da

comunidade da capoeira,

contemplando as três esferas de

poder, a saber: municipal,

estadual e federal, informações

sobre a relação da capoeira e

seus orçamentos.

Deve-se buscar mecanismos de

fortalecimento da cidadania, no

sentido de incrementar Políticas

Públicas para a Capoeira,

através de oficinas, cursos,

palestras e publicações, bem

como criar mecanismos de

fiscalização e da execução dessas

políticas sobre o tema através da

organização de comissões,

ONG`s, grupos cooperativos e

outros órgãos.

Deve-se criar formas de

divulgação de informações sobre

as Políticas Públicas relacionadas

à capoeira, através de jornais,

rádios, páginas eletrônicas, além

de levar a discussão sobre a

inserção da capoeira na sociedade

brasileira para as escolas,

academias e rodas abertas.

3. Foram tomadas como decisões

unânimes a contrariedade à

submissão dos mestres e

professores de capoeira ao

sistema

dos Conselhos Estaduais e Federal

de Educação Física e também a

contrariedade à regulamentação

da profissão de Mestre

de Capoeira através da formação

de um Conselho Federal de

Capoeira. Mas exige-se do

Ministério do Trabalho o

reconhecimento da categoria

profissional que trabalha com a

capoeira no interior da

Classificação Brasileira de

Ocupações - CBO, incluindo na

sua família ocupacional todos os

níveis de professorado/ensino

como, por exemplo,

Mestre, Contramestre, Treinel,

Técnico, etc.

Decidiu-se também que a

capoeira não deva ser classificada

somente como esporte, mas caso

ela seja assim reconhecida

socialmente, que toda a

comunidade organizada da

capoeira, em suas diferentes

faces, possa ser convocada a

definir suas

configurações como esporte, não

cabendo somente a um segmento

esta tarefa.

Assim, na tentativa de contribuir

com o aprofundamento das

principais questões que envolvem

a capoeira atualmente, o Grupo

de Estudos da Capoeira, entidade

organizadora do SENECA, dá

ampla divulgação a esta carta e

espera da sociedade civil

contribuições no sentido de

enriquecer a discussão travada

até este momento e das

autoridades relacionadas aos

temas

abordados a abertura de canais e

oportunidades de discussão,

sempre na perspectiva de

ampliação da cidadania e da

participação.

Campinas, 03 de junho de 2004.

Participantes do I SENECA